sábado, 12 de abril de 2008

Sonhos roxos e folhas secas




Eram exatamente quatro da tarde e o sol ainda brilhava sobre as árvores.
Eles continuavam deitados sobre a grama, com os livros atirados em suas volta e os olhos postos nas nuvens.
As árvores pareciam dançar ritmicamente ao sopro do vento enquanto ipês roxos caiam sobre os corpos dos três e de suas cartas de amor.
O cheiro de chimia de abóbora enchia o ar, o som das folhas secas sendo esmagadas pelos pequeninos gnomos soa longe, o ruflar das asas das borboletas amarelas pareciam lábios se encontrando, a música que Ana cantarola soa como flauta doce cantando as estrelas do mar.
O céu aos poucos vai se tornando lilás, igual ao vestido que Alice usou para ia a cidade comprar amoras. Seus dedos brincam com uma borboleta morta que Luís trouxe na manhã passada, adormecida entre suas mãos grandes e desajeitadas.
Ana sonha, sonha com as nuvens com gosto de maçã. Maçã é doce. Lilás é doce.
Ah, como ela gostaria de estar sentindo o gosto de lilás, derretendo em sua língua e espalhando seu sabor doce em cada canto de sua boca.
O sol se esconde entre as nuvens e depois reaparece. Luís se mexe sobre a grama úmida e deixa cair a pétala da rosa morta que guardava dentro do livro velho e amarelado.
Aos poucos os sonhos roxos – como os biscoitos que vovó fazia – vão sendo desenhados no horizonte, como se Deus estivesse sobre eles com um lápis sem ponta.
Os corações cor de cereja palpitam tranquilamente no peito de cada um deles.
“Que sabor terá o céu?”
Pergunta Ana com sua voz ondulando o vazio.
“Deve ter o gosto de maçãs, assim como as nuvens.”
Responde Alice, com sua cabeça deitada na grama e seu corpo miúdo coberto pelo casaquinho de lã preto.
“Não sejas boba” fala Luís “O céu tem gosto de amora, não vês os pássaros que nele voam?! Estão colhendo as frutinhas que nele brotam.” .
Seus olhos perfuram cada canto do bosque, como se estivesse olhando biscoitos de avelã e donzelas adormecidas.
O vento vai trazendo consigo o cheiro de mel com sonho de criança, os lábios de Alice cantarolando uma cantiga infantil qualquer parecem à delicadeza de peixinhos dourados nadando no aquário, igual á aquele que fica na vitrina da padaria.
Uma vontade avassaladora de tomar um gole da bebida púrpura sobe á garganta como uma ânsia, Ana se levanta. Movendo seus cabelos vermelhos de um lado para outro ela nem dá importância às pequeninas flores azuis que pisa.
O sol aos poucos vai sumindo, se escondendo atrás das montanhas verdes e movimentando um brilho intenso que nasce no rio de chocolate que corre manso, exalando o cheiro forte de vinho.
Luís também se levanta. Ele e Ana juntam contra o peito os livros de capa vermelha aveludada, Alice continua deitada.
De seus olhos duas lágrimas brotam e rolam por seu rosto até chegar a seus lábios, os invadindo com um gosto agridoce.
Ela fita o pássaro colorido que pousa na árvore próxima – que estende uma grande sombra sobre o jardim -, onde ele saboreia uma amora, sujando seu bico amarelo de roxo. Como se o céu estivesse sangrando.
Ana passa seus dedos pelos cabelos de Alice. Seus olhos são confortantes, sua mão quente e em seus lábios um sorriso doce.
“Vamos Pepônia, a volta sempre é mais fácil.”.


Por Gabriela Pairet.

"Para dois pepônios muito importantes na minha vida, pois são eles os que sabem o gosto do céu e a cor do vento que cobre os poetas mortos."

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