quinta-feira, 22 de maio de 2008

O resto não é silêncio.


Joguei rapidamente a tesoura no chão quando percebi o que estava prestes a fazer. Meu pulso estava vermelho com a pressão da ponta da tesoura na minha pele, fiquei olhando com medo pra'quele pedaço de metal atirado no chão frio do banheiro. Na verdade estava com medo de mim também, medo de enlouquecer de tal modo que tivesse coragem de junta-la novamente do chão.
a minha veia parecia querer saltar para fora, um arranhão ao lado dela foram os resultados da minha tentativa de por um fim em tudo.
Naquele momento eu só pensava em mim, em mais ninguém.
as lágrimas caiam com intensidade dos meus olhos, minha mãe achou estranho meu comportamento quando cheguei da rua, não falei nada, permaneci trancada no quarto. Tudo silêncio.
Ah, se ela soubesse que por dentro daquele quarto eu estava tendo os piores pensamentos, desejando a morte, me movendo numa dança desesperada. eu só queria...só queria...
Quando fechei a porta do banheiro atrás de mim o meu rosto totalmente derrotado refletiu no espelho, a tesoura sobre a pia pareceu chamar minha atenção e antes que eu pudesse pensar em algo minha mão agarrou e fez menção de perfurar meu pulso. O medo.
Deslizei levemente sua ponta na minha pele, cada vez mais rápido. Queria ter coragem de finca-la fortemente e deixar minha alma fugir pelo líquido vermelho aurora que banharia o chão frio.
Mas não tive e de repente tive o impulso de joga-la longe de mim. Não, não seria desse jeito e nem nesse momento.
Rezei, pedi que me levasse. Se fosse com esse sofrimento que eu passaria o resto da minha vida que me levasse então. Mas continuei ali.
Deixei as lágrimas caírem.
Devagar limpei meu rosto e saí dali, me sentei na cama e fui ver TV. Minha vida não seria mais de ilusões, de mentiras para mim mesma. Eu lutarei o quanto puder por mais que eu saiba que sou fraca.
Descansei minha cabeça no travesseiro e vi que aquilo que quase fiz não iria acabar com toda a agonia, vergonha e desespero.
Algo gritava dentro de mim: a morte não é silêncio.

domingo, 18 de maio de 2008

Criança


As mãos frágeis, machucadas e pequenas se mexem rapidamente, com a agilidade de um adulto.

Os olhos escuros, sombrios, sem brilho. Parecem não verem o sol. Não verem com a devida beleza de uma criança.
Os cabelos loiros da menina caiem até as costas numa trança, o menino sussurra baixinho. Só pra si, ninguém precisa escutar.
Na verdade ninguém escuta.
Lá na rua, em baixo do sol escaldante com a enxada na mão os pais trabalham com ferocidade, as mãos com os calos pedindo descanso, as costas doloridas com o esforço. Os cabelos sujos e ralos parecem envelhecerem mais o rosto dos homens e mulheres jovens que lutam vivamente.
No interior do galpão as crianças continuam com seus silêncios pesados, uma angústia crescendo nos pequenos corações, os sonhos morrendo por falta de esperança...
As mãosinhas vão terminando de fazer uma boneca, depois outra, outra...
Os pés descalços e machucados tocam no chão frio, o estranho são suas palavras que poucas vezes são escutadas, palavras que não morreram, que continuam ansiando por alguém que as recolha no ar e guarde-as na alma.
O tempo parece passar devagar, devagar demais.
A fome é grande. O mal estar maior ainda.
Daqui, bem longe disso tudo meus olhos parecem verem essas pobres crianças sentadas no chão, as folhas de fumo na mão, os pequenos rostos sérios, a trança da menina loira. Lá, bem distante, eu sei que elas estão lá, com suas mãos envoltas no fumo, os corpos frios e esquecidos carecendo descanso e carinho.
Por mais distante que seja, meus ouvidos parecem ouvir o sussurro do menino sozinho...

"É triste saber que enquanto eu publico essa postagem uma criança está perdendo sua infância, sua pureza. É apavorante saber que ninguém estende os braços para elas se levantarem, que o homem venda os olhos para a merda na frente deles."