domingo, 4 de maio de 2008

Para o castelo das ilusões...


Um facho de luz do sol entra pelo buraco do teto e faz pequeninas partículas de sujeira flutuarem no ar, como se dançassem. dançassem na minha desgraça inútil.
Tudo é sujo, tudo! Desde o piano que anseia pelos dedos de alguém para toca-lo até a última caixa com velharias guardadas.
Já mexi tanto nessas caixas que sei tudo sobre cada pedaço de vidro quebrado guardado nelas e cada carta de amor que meus avós escreviam e recebiam. Tudo tão imoral e brega. O pior é que tudo que se torna brega acaba virando romântico.
Pobre piano... tanto tempo guardado dentro desse sótão. As poeiras cobrindo suas teclas, como um lençol.
Igual aquele de flores mortas que colhi pra ti, lembra?
Provável que não.
Você nunca deve se lembrar das coisas que fiz pra você. Flores mortas são tão belas...
Queria por um momento me tornar essa mariposa que voa entre esse acumulo de pó, o ruflar de suas asas parecem silenciar meus pensamentos e me deixar pairando no ar como se me agarrasse ao um grande pêndulo.
Não entendo como as pessoas podem deixar os sótãos tão solitários, fazendo os tornar cinzentos. Mas deve ser aí que está toda essa beleza: os lençóis brancos cobrindo tudo, o pó fazendo as coisas parecerem mortas, as tábuas rangendo, o facho de luz que penetra no íntimo de tudo, a mariposa solitária.
Me lembro quando "eles" gritavam pelo meu nome e eu não respondia, me procuravam todo o dia e eu permanecia calado aqui encima. Depois eu aparecia com meus dedos sujos da poeira e os olhos refletindo o brilho da lua - ah, a lua!, posso ver as estrelas deitado aqui,posso ver cada movimento das fadas em volta da lua - , todos perguntavam onde eu estava.
"Estava na torre mais alta desse castelo, ouvindo os pássaros cantarem uma sinfonia desesperada, estava olhando o mundo cinzento abrindo portas para minha fértil imaginação. Estava eu sentado no chão vendo as memórias de corações que temem a verdade, porque se não fizesse isso meus olhos só veriam aquilo que vocês querem que os outros vejam."
Por um momento me julgaram louco e permaneceram a me chamar mas daí eu não respondia e depois me sentava á mesa para contar minha novas descobertas, depois se cansaram de me chamar e os pássaros cessaram a sinfonia.
E meu mundo foi crescendo nesse sótão, meu sótão. Meu mundo.
Ás vezes quando a casa respirava silêncio eu sentava em frente o piano e tocava em suas teclas, ele respondia e meu coração parecia ecoar cada nota. Aos poucos até as folhas secas do outono passado que caíram aqui se tornaram uma parte de mim.
Um dia tive que sair do meu castelo para conhecer o mundo dos reles mortais. Vi muitas coisas e percebi que tudo é tão cinzento quanto o meu sótão.
Mas daí conheci você.
Andamos entre as árvores daquele parque, aquele parque que as folhas ainda eram vivas.
Você queria me conhecer e eu queria te conhecer mas antes você queria conhecer o meu mundo. Te levei para meu castelo, ele era meu mundo.
Tudo estava lindo, em perfeita ordem: a poeira dando aquele toque de esquecimento, o piano ressonando, o facho de luz, as tábuas cobertas pelo pó amaciando nosso pisar como um tapete e as coisas velhas e esquecidas. Você se virou para mim e falou com sua voz cravando em meu peito uma estaca e rasgando meu coração com um último suspiro:
"é só isso?"
Daí você se virou e foi embora. Eu não tive coragem de correr atrás de você.
Meu sótão se tornou tão escuro e agora nem esse facho de luz faz algo se tornar claro.
Ás vezes meu mundo parece um pequeno pedaço de pão sem a taça de vinho ao lado. .
As coisas se tornam tão simples como essa mariposa quando não se tem amor.
Eles que moram ali em baixo acham que minha loucura se aprofundou demais até atingir meu coração, porque do meu sótão eles não ouvem mais nada, do meu mundo eles não mais vêem alegria entre as cinzas do passado.
Deve ser porque nada mais foi descoberto.
Deve ser porque você já era uma boa parte do meu mundo.

Pucca.

O que somos nós sem o amor? ;)

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